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Uma Ode aos Mestres

Julgo ter me formado um leitor tardio. Na verdade, os poucos hábitos que carrego comigo foram quase todos eles adquiridos e forjados já ali pelos meus vinte anos.


Acho que foi o Yuri Al’ Hanati, o sujeito que toca um projeto muito foda sobre literatura, quem disse uma vez que a virtude de um grande escritor era sua capacidade de evidenciar seus ídolos, saudá-los, e então destruí-los. Era uma resenha sobre Gente Pobre, do Dostoiévski, e ele falava sobre um trecho do romance em que era mencionado O Capote, do Gogol, e os personagens, lá pelas tantas, faziam troça do fato de alguém ter escrito um livro todo sobre um sujeito que não podia comprar um casaco. Talvez ele (o Yuri, não o velho russo) estivesse parafraseando Nietzsche ou coisa que o valha, não sei ao certo, mas fiquei com isso na cabeça.


Daí que, dentre a meia dúzia de coisas que cultuo, além da literatura, destaco facilmente duas: comer e beber. É claro que, diferente dos livros, que não estavam presentes lá na sala de casa e que eu só fui ter algum contato lá pelo fim da adolescência - afinal, ser filho de intelectual é coisa que só existe na classe média alta brasileira - a comida e a bebida sempre estiveram ali, mas foi apenas no fim da juventude, no início da minha segunda década, que descobri que poderia ter com elas alguma relação que transcendesse apenas aquela fisiológica de até então. E, bom, julgo que só consegui aprender alguma coisa sobre esses assuntos porque encontrei pelo caminho bons professores - gente com muito mais repertório, bagagem e litragem do que eu, que me coloquei a ler e a ouvir. Apesar de ainda saber pouco, aprendi quase tudo com eles: do serviço de vinhos a preparar uma massa fresca, passando por como extrair um café decente.


Mas a verdade é que esses são hobbies bem caros na maior parte das vezes e que, frequentemente, não entregam tudo aquilo que prometem. Por isso, sou eternamente grato àqueles que se dedicam ou se dedicaram a falar publicamente sobre o assunto - não só educando, mas também nos ajudando a poupar dinheiro e frustrações. Além do que, devo dizer que tentar se aventurar por esse mundo de bons-vivants quando se tem o orçamento de um universitário quebrado não é lá das tarefas mais fáceis e, na maior parte do tempo, é necessário harmonizar o delivery do ifood com a breja que o cupom ajudou a pagar, ou, então, assimilar descritores de aromas de vinho com aquele rótulo garimpado na promoção do Pão de Açúcar - enofilia do oprimido, diriam alguns. Muito embora eu deva ser honesto e dizer que tive também muita sorte nesse percurso e pude ter ótimas experiências gastronômicas em algumas das melhores casas do país, ainda que, outras - não por falta de aviso deles, os professores, mas mais por falta de escolha - tenham sido verdadeiras tragédias anunciadas. E um pouco na lógica do “conheço alguém, que conhece alguém” tive também a sorte de encontrar quem, por generosidade, me presenteasse com a garrafa de um escocês cujo malte mais jovem passou quase o tempo que tenho de vida numa barrica de carvalho, ou, então, quem colocasse na minha taça uma bela quantidade de Barolo, permitindo que eu assimilasse melhor o que havia lido num livro uns meses antes. E, embora não seja alguém viajado, tive também a oportunidade de conhecer umas quatro ou cinco vinícolas em terras argentinas e até jantei no restaurante de um chef badalado, que estrelou documentário na Netflix, e onde quase esbarrei com um ministro do STF - algo que talvez um dia possa me render um texto, quem sabe.


Retomando o ponto principal, eu não poderia começar a escrever em canto algum, principalmente se pretendo, vez ou outra, abordar estes assuntos, sem antes reverenciar aqueles que tanto me ensinaram. É preciso evidenciar os bons, sobretudo em tempos de desinformação. Acreditem, o que não falta por aí são picaretas - de chefe estrelado, que não sabe bater uma maionese, ensinando a cozinhar, a influencer vendendo cápsula nespresso (por vezes é o mesmo sujeito do item anterior), passando por blogueiros que tentam te vender assinatura de um clube de vinhos bastante duvidoso.


Enfim, de minha parte, uma ode à Júlio Bernardo, Luiz Horta, Danilo Nakamura, James Hoffmann, Madeline Puckette e Anthony Bourdain, dentre tantos outros mestres que tive, muito embora eu não tenha aqui a pretensão de destruir ninguém, afinal, não sou grande escritor.


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