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  • Foto do escritorJonas Carvalho

O pensar fixo o fez mergulhar num verdadeiro vazio mental que, por fim, o tranquilizou. Não havia mais peso ou trama. O fim do relacionamento com Teresa não lhe era mais um dever já que ela, bang, deu cabo a situação e, motivo para ter um corpo símil de quem ama.


Embalado em roupas finas, abandonou não apenas a nudez ou o repreendimento em pagar por corpos quentes como também abandonou os sete anos de apego a Teresa. Anos estes mais belos na memória do que aos que vivera em instantes displicentes.


Certamente que o Amor é belo. Mas eu lhe pergunto: o que fazer com seu penar? Nele consta o esconder qualquer coisa, o sempre dissimular.


O fingir, o reparar, o levantar-lhe a estima, o consolar, a constância na prova (PROVA!) de que a ama. E deve...



Deve amar! Há o queixar-se dos ciúmes, dos sofrimentos sejam eles quais, das dores do mundo, do sentir-se culpado, do justificar-se e finalizações de brigas e discussões com:


- "Me desculpe."


Mas não havia mais peso ou trama. O fim do relacionamento com Teresa, já disse, não lhe era mais um dever já que ela, bang, deu cabo a situação. Agora as rédeas que controlam os sentimentos lhe são visíveis e não mais lhe tencionam as emoções. Um ser racional é engendrado, portanto, inspira fundo ao perfume da Liberdade. Espreita Aventura na próxima esquina. O andar se torna mais ligeiro quando logo pensa. Quase voa. Sente a leveza do ser no espaço mágico de Parménides.


Até a memória de Teresa acusar-lhe no coração a fita-peso que o arrasta ao chão.


  • Foto do escritorLeonardo

Julgo ter me formado um leitor tardio. Na verdade, os poucos hábitos que carrego comigo foram quase todos eles adquiridos e forjados já ali pelos meus vinte anos.


Acho que foi o Yuri Al’ Hanati, o sujeito que toca um projeto muito foda sobre literatura, quem disse uma vez que a virtude de um grande escritor era sua capacidade de evidenciar seus ídolos, saudá-los, e então destruí-los. Era uma resenha sobre Gente Pobre, do Dostoiévski, e ele falava sobre um trecho do romance em que era mencionado O Capote, do Gogol, e os personagens, lá pelas tantas, faziam troça do fato de alguém ter escrito um livro todo sobre um sujeito que não podia comprar um casaco. Talvez ele (o Yuri, não o velho russo) estivesse parafraseando Nietzsche ou coisa que o valha, não sei ao certo, mas fiquei com isso na cabeça.


Daí que, dentre a meia dúzia de coisas que cultuo, além da literatura, destaco facilmente duas: comer e beber. É claro que, diferente dos livros, que não estavam presentes lá na sala de casa e que eu só fui ter algum contato lá pelo fim da adolescência - afinal, ser filho de intelectual é coisa que só existe na classe média alta brasileira - a comida e a bebida sempre estiveram ali, mas foi apenas no fim da juventude, no início da minha segunda década, que descobri que poderia ter com elas alguma relação que transcendesse apenas aquela fisiológica de até então. E, bom, julgo que só consegui aprender alguma coisa sobre esses assuntos porque encontrei pelo caminho bons professores - gente com muito mais repertório, bagagem e litragem do que eu, que me coloquei a ler e a ouvir. Apesar de ainda saber pouco, aprendi quase tudo com eles: do serviço de vinhos a preparar uma massa fresca, passando por como extrair um café decente.


Mas a verdade é que esses são hobbies bem caros na maior parte das vezes e que, frequentemente, não entregam tudo aquilo que prometem. Por isso, sou eternamente grato àqueles que se dedicam ou se dedicaram a falar publicamente sobre o assunto - não só educando, mas também nos ajudando a poupar dinheiro e frustrações. Além do que, devo dizer que tentar se aventurar por esse mundo de bons-vivants quando se tem o orçamento de um universitário quebrado não é lá das tarefas mais fáceis e, na maior parte do tempo, é necessário harmonizar o delivery do ifood com a breja que o cupom ajudou a pagar, ou, então, assimilar descritores de aromas de vinho com aquele rótulo garimpado na promoção do Pão de Açúcar - enofilia do oprimido, diriam alguns. Muito embora eu deva ser honesto e dizer que tive também muita sorte nesse percurso e pude ter ótimas experiências gastronômicas em algumas das melhores casas do país, ainda que, outras - não por falta de aviso deles, os professores, mas mais por falta de escolha - tenham sido verdadeiras tragédias anunciadas. E um pouco na lógica do “conheço alguém, que conhece alguém” tive também a sorte de encontrar quem, por generosidade, me presenteasse com a garrafa de um escocês cujo malte mais jovem passou quase o tempo que tenho de vida numa barrica de carvalho, ou, então, quem colocasse na minha taça uma bela quantidade de Barolo, permitindo que eu assimilasse melhor o que havia lido num livro uns meses antes. E, embora não seja alguém viajado, tive também a oportunidade de conhecer umas quatro ou cinco vinícolas em terras argentinas e até jantei no restaurante de um chef badalado, que estrelou documentário na Netflix, e onde quase esbarrei com um ministro do STF - algo que talvez um dia possa me render um texto, quem sabe.


Retomando o ponto principal, eu não poderia começar a escrever em canto algum, principalmente se pretendo, vez ou outra, abordar estes assuntos, sem antes reverenciar aqueles que tanto me ensinaram. É preciso evidenciar os bons, sobretudo em tempos de desinformação. Acreditem, o que não falta por aí são picaretas - de chefe estrelado, que não sabe bater uma maionese, ensinando a cozinhar, a influencer vendendo cápsula nespresso (por vezes é o mesmo sujeito do item anterior), passando por blogueiros que tentam te vender assinatura de um clube de vinhos bastante duvidoso.


Enfim, de minha parte, uma ode à Júlio Bernardo, Luiz Horta, Danilo Nakamura, James Hoffmann, Madeline Puckette e Anthony Bourdain, dentre tantos outros mestres que tive, muito embora eu não tenha aqui a pretensão de destruir ninguém, afinal, não sou grande escritor.


  • Foto do escritorMatheus Ultra

No cinema hollywoodiano, a parte visual costuma ser responsabilidade do diretor, e não do roteirista, devendo este apenas indicar a ação do que se passará na tela. Além de visível continuador da prosa de Rubem Fonseca, Marçal Aquino também é roteirista, o que talvez explique o porquê de Baixo Esplendor fazer tão pouco uso de imagens. Sua aparição é breve, e quase sempre subordinada à necessidade da ação narrativa. As mais demoradas ocorrem durante as cenas de sexo, e mesmo essas são bastante sucintas, ainda que o gênero erótico seja bastante afeito ao tratamento visual. Na página 172, por exemplo, Nádia, a namorada do protagonista Miguel, é descrita “estendida na cama, molhando de saliva os dedos e manipulando os mamilos, vestida apenas com uma calcinha preta”. O trecho evoca um retrato breve, e em seguida o narrador faz aquilo que faz com muita aptidão, narrar ao leitor o que sucedeu-se: Nádia “afasta [a calcinha] para receber ali, na junção das coxas, os beijos dele, que começaram suaves - o roçar da asa de uma borboleta -, depois se intensificaram, se encresparam, se desesperaram; já nem era beijo esse encontro frenético de lábios untados de saliva e muco”. A descrição do sexo em Aquino facilmente desemboca na metáfora, como os beijos que começam em faéricas borboletadas, e se intensificam até atingirem uma expressão metonímica, com saliva e muco. Um passa para o outro sem qualquer dificuldade, de modo que os momentos de foda naturalista não diferem muito do idílio sentimental em que Miguel e Nadia vivem.


O relacionamento do casal é basicamente um relacionamento da carne, que não ultrapassa o idílio pornográfico. Ainda que se amem quase que à primeira vista, como se fossem duas almas gêmeas, esse amor se contenta com as necessidades da alcova. Não demonstram ter muita coisa em comum, e talvez por isso que quase não gastem tempo conversando. Toda palavra que sai da boca de Nádia, cuja caracterização se resume a ser um objeto dotado de sensualidade e volúpia, parece ser apenas um outro modo de confirmar os encantos de seu corpo. Nas conversas entre ela e Miguel, a função fática predomina, como se não tivessem nada a dizer um ao outro. Suas bocas servem para lamber e chupar; as palavras necessárias em tal gênero de relação são apenas os gemidos e berros capazes de denotar o fervor sexual. Quando o escritor decide colocá-los para viver uma pacata vida familiar, abrigando os dois sob um mesmo teto como marido e mulher, o idílio erótico se esvazia ainda mais e somos tomados de vez pela inequívoca sensação de farsa, como se em um happy ending de um conto de fada erótico.


A desinteressante história de amor de Miguel e Nádia, contudo, tem como benefício acontecer em meio a tensão existente entre dois grupos rivais, a polícia, para quem Miguel trabalha disfarçado, e a quadrilha liderada por Ingo, o irmão de Nádia. A montagem antropológica de Baixo Esplendor é o ponto forte da novela, uma espécie de descrição densa de um mundo do crime com uma estrutura social autônoma, um corpo hierárquico complexo e dotado de conflitos entre as partes. O mais cativante é que esse mundo não aparece simplesmente enquanto na margem da lei, mas convivendo dentro dela, coisa que apaga qualquer possibilidade de delimitar-se uma fronteira clara entre eles. Miguel, que está infiltrado na quadrilha enquanto agente duplo da polícia, incorpora a convivência mútua desses dois pólos mutuamente excludentes. Torna-se amigo e confidente de Ingo, que lhe apresenta a sua irmã Nádia. Fica dividido entre o amor e o compromisso com a lei. A partir daí, a trama desenvolve-se.


Sobre o plano geral da obra, é preciso reconhecer que Marçal Aquino é um escritor muito competente. Cada elemento da novela é orientado por uma economia narrativa bastante austera, como se uma navalha tivesse removido tudo que não fosse estritamente necessário para o seu funcionamento. A temporalidade alinear do relato, que poderia causar alguma confusão entre os episódios narrados, encontra-se encadeada com perfeição, sem deixar nenhuma ponta solta, e é prova inconteste da habilidade artesanal de Aquino.


Essa acuidade técnica, que será muito celebrada pelos leitores ávidos pelas formas prontas, também deixa evidente que Baixo Esplendor é fruto de certa confusão do autor. Vejam bem: a novela é uma espécie de Romeu e Julieta, uma história de amor vivida por entre a cisão de duas famílias, a lei e o crime. O romance de Nádia e Miguel, contudo, carece de qualquer substância, quase como se fosse um implante alienígena dentro da rigorosa economia narrativa do livro, que se sustenta somente pela delicada posição que Miguel ocupa na quadrilha enquanto agente-duplo. E se o amor entre homem e mulher inexiste para além dos usos que seus corpos fazem um do outro, não é assim com o amor entre Miguel e Ingo, que desenvolve-se de forma muito mais vívida por dentro das disputas entre a lei e o crime.


Se a história do romance não nos interessa por conta do comércio entre Miguel e Nádia, exclusivamente carnal e desprovido de afetos concretos, é porque o romance entre os dois é apenas o simulacro em que se realiza o amor platônico de Miguel e Ingo, os verdadeiros Romeu e a Julieta de Baixo Esplendor.

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